Em recente decisão proferida pela 1ª Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, nos autos do processo nº 0019407-56.2023.8.17.2420, foi revertida sentença absolutória, com a consequente condenação do réu por violência psicológica contra sua ex-companheira, com base no artigo 147-B do Código Penal. E mais: reconhecida a prática reiterada dessa violência, o tribunal fixou valor indenizatório pelos danos morais causados. Um marco.
Os autos narram que durante mais de trinta anos, a vítima dividiu a vida com o agressor — união marcada por controle, ofensas e medo. Depois do divórcio, ocorreu o escalonamento de perseguições emocionais, chegando o réu a pernoitar na casa da ex-esposa, não obstante já estivesse novamente casado com terceira pessoa, exclusivamente, para humilhá-la, continuando a exercer controle e poder.
Em que pese a vasta prova dos autos, o Juízo de primeira instância havia classificado o cenário de violências como meros dissabores de um casamento “desajustado”. Foi interposta apelação criminal pela vítima, na qualidade de assistente de acusação, pleiteando a condenação e os danos morais decorrentes do reconhecimento da prática do crime, nos termos do Tema 983 do STJ. O acórdão, de relatoria do Des. Honório Gomes do Rego Filho, considerou suficientes os elementos de convicção colhidos em juízo, destacando os relatos da vítima, de informantes diretos (incluindo seu filho e atual companheiro), bem como o parecer técnico do setor psicossocial.
Outro destaque do acórdão diz respeito ao reconhecimento de que o réu empregava métodos indiretos e persistentes para manter a vítima em estado de temor e submissão, mesmo após a separação. Entre os trechos mais elucidativos, destaca-se:
“Todos os elementos acima descritos demonstram que a conduta do réu se amolda perfeitamente ao tipo penal do art. 147-B do Código Penal, não se limitando a dissabores atinentes ao fim de uma relação conjugal, mas evidenciando atos de perseguição, humilhação e constrangimento, com reflexos sensíveis na saúde mental da vítima e em seu cotidiano.”
A decisão consagrou três importantes teses interpretativas com impacto prático relevante:
a) Configuração da violência psicológica (art. 147-B do CP):
Para o colegiado, a configuração do tipo penal exige a prática de atos que comprometam a autodeterminação da vítima, gerando-lhe sofrimento emocional, independentemente da existência de violência física ou de prova pericial específica:
“Para a configuração do tipo penal descrito no art. 147-B do Código Penal, basta a prática de condutas reiteradas que causem sofrimento emocional à vítima e comprometam sua autodeterminação no contexto de violência doméstica e familiar.”
b) Reconhecimento da continuidade delitiva (art. 71 do CP):
O relator reconheceu o crime continuado, considerando o prolongamento temporal da violência psicológica:
“Os elementos dos autos evidenciam que o réu não se limitou a um único episódio de violência psicológica, mas adotou um padrão abusivo contínuo, que se estendeu desde o período do casamento até após a separação.”
c) Fixação de indenização por danos morais (art. 387, IV, do CPP):
Foi arbitrado valor mínimo de R$ 10.000,00 a título de indenização, em consonância com os parâmetros jurisprudenciais do próprio TJPE:
“A fixação de indenização por danos morais em crimes de violência doméstica pode ser feita pelo juízo criminal, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, considerando o impacto emocional e social da conduta do réu.”
Registra a advogada Fernanda Rodrigues de Lima que “A decisão aqui analisada representa não apenas um avanço no reconhecimento do caráter penal da violência psicológica no âmbito doméstico, mas também um reforço ao direito das mulheres à reparação civil pelos danos emocionais sofridos. Ao condenar o réu e fixar indenização mínima, o TJPE afirma, em tom claro, que a violência emocional não será mais tratada como litígio conjugal, mas como violação penal ao direito fundamental à dignidade e integridade psíquica. Trata-se de precedente importante para a aplicação do art. 147-B do Código Penal, com impacto pedagógico e restaurador. Mais do que punir, a decisão reconhece, acolhe e repara”.
A advogada, sócia da Banca Tide & Lima chama a atenção também sobre a importância da prova pericial, para que se demonstre em juízo os reflexos a saúde integral da mulher contra quem a violência psicológica é praticada: “O relatório psicossocial reforçou a tese de que a violência psicológica se manifestava por meio de um padrão de controle e dominação, com significativa repercussão emocional. Foram identificadas alterações de comportamento, episódios de insônia, crises hipertensivas e sintomas de ansiedade generalizada, tudo decorrente das ações do réu contra a vítima, materializando a compatibilidade do quadro de violência de gênero”.
Fonte: Processo nº 0019407-56.2023.8.17.2420.
