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Há luz no fim do túnel- Por Antonio Tide

Para quem é criminalista, o desafio nunca é pequeno. Cada caso traz sua carga de angústia, e cada sentença proferida tem o potencial de moldar não apenas a vida de um réu, mas também o próprio entendimento da Justiça. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reduzir a pena de um condenado por estelionato de 60 anos para três anos e quatro meses é um marco de lucidez e proporcionalidade em um sistema que, muitas vezes, se deixa seduzir por um punitivismo exacerbado.

É preciso encarar os fatos com seriedade: a pena original de 60 anos era, na prática, um desrespeito aos princípios da razoabilidade e da individualização da pena. O Direito Penal não pode ser um instrumento de vingança estatal, e sim um meio de aplicação de justiça proporcional. Não se trata aqui de inocentar quem comete crimes, mas de assegurar que a punição esteja dentro dos limites do que é justo e necessário para a repressão e prevenção do delito.

O ministro Rogério Schietti Cruz, ao aplicar o instituto da continuidade delitiva, não apenas corrigiu um excesso evidente, mas também reafirmou um princípio básico do Direito Penal: a sanção deve ser proporcional ao delito cometido. O artigo 71 do Código Penal, que prevê o reconhecimento da continuidade delitiva quando há crimes da mesma espécie praticados sob um mesmo contexto, não é uma brecha jurídica para impunidade, mas sim um mecanismo para evitar aberrações punitivas.

Muitos argumentarão que reduzir uma pena de 60 para três anos seria um desrespeito às vítimas, um incentivo ao crime. Mas o Direito não pode ser pautado pela sede de vingança. O estelionato é um crime grave, que causa prejuízo a muitas pessoas, mas não se pode equipará-lo a crimes contra a vida ou a integridade física. Qual é a lógica de uma pena que supera, por exemplo, a de um homicídio qualificado?

O clamor por punições exemplares já produziu suas cicatrizes na história do Judiciário brasileiro. Quantos inocentes foram lançados ao cárcere em nome de uma justiça apressada? Quantos julgamentos foram contaminados pelo medo de parecer leniente? O juiz não pode ser um justiceiro, e sim um garantidor do equilíbrio, da ponderação, do devido processo legal.

Há, ainda, um ponto crucial que muitos insistem em ignorar: o encarceramento em massa é um problema real, e não uma solução. O Brasil já figura entre os países com as maiores populações carcerárias do mundo, e a reincidência criminal segue alta. Prisões desnecessárias e penas desproporcionais não resolvem o problema da criminalidade, apenas reforçam um ciclo vicioso de violência e marginalização.

A decisão do STJ representa um avanço na interpretação do princípio da individualização da pena, que deve ser a base de qualquer sistema penal democrático. Se há algo que precisamos combater, é a mentalidade do encarceramento indiscriminado, da punição como espetáculo, da crença de que penas elevadas por si só resolvem problemas estruturais da sociedade.

Que esta decisão sirva como um lembrete de que a Justiça não se faz apenas com sentenças rigorosas, mas com coerência, proporcionalidade e respeito às normas que regem um Estado de Direito. O que o STJ fez não foi aliviar a punição de um criminoso, mas sim reafirmar que a pena deve estar em sintonia com o crime. É o mínimo que se espera de um tribunal que se propõe a ser guardião da cidadania e da legalidade.

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